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Sábado, 23 de Outubro de 2021
POR: Equipe Valle
A Vingança é um prato que se come frio: Grandes vinganças da história: o jeito cruel de dar o troco
Entrevista
Todo mundo diz que a "vingança é um prato que se come frio", mas não diz o por quê. Porém eu aprendi que a vingança é um prato que se come frio por que seu ingrediente principal é a paciência.
 
Apesar de a vingança não ser uma prática exclusiva dos humanos, não se pode negar que a humanidade tem o poder de causar sofrimento como ninguém. A vingança, certamente, já rendeu passagens sombrias e aterradoras na literatura. Ela pode, inclusive, ser confundida como uma forma de reparar um mal ou injustiça.
 

Não é qualquer um que enterra vivo um desafeto no meio de uma catacumba, tal como imaginou Edgar Allan Poe no arrepiante O barril de amontillado. Numa das histórias mais assustadoras do autor (publicada pela Nova Fronteira em Contos de terror, de mistério e de morte), um homem busca vingança após se sentir ofendido por um nobre. Pacientemente, ele arquiteta um plano para embebedar, emparedar e enterrar seu
caluniador, apreciando cada segundo da tortura com uma satisfação que só uma vingança


bem planejada é capaz de proporcionar.

Mas a vingança também sabe esperar, como conta Alexandre Dumas em um de seus livros mais famosos, O conde de Monte Cristo. Nele, um homem, preso injustamente, planeja uma longa e calculada retaliação contra seus inimigos, vingando-se de todos que armaram para que ele fosse encarcerado. A história foi inspirada em um caso real, o de Pierre Picaud, que viveu no século XIX na França. Dramas como este, em que um inocente busca reverter sua punição, comovem e inspiram até hoje, pois é a vingança funcionando como justiça.

 

Parece que a paciência é um item obrigatório nas mentes obcecadas pelo desejo de revidar. E quando a vingança envolve casos de família, não há tragédia mais anunciada do que a dramática jornada de Hamlet para vingar a morte terrível de seu pai. O príncipe dinamarquês retorna à sua terra, fareja a traição do tio, e enfrenta o destino feroz que o maior escritor inglês lhe impôs. Hamlet não vai ficar para a história apenas porque um
herói quer retomar seu trono. Não é só mais uma trama de luta pelo poder; é uma genuína história de vingança. Como os melhores vingadores, Hamlet não tem pressa.

 

Motivos não faltam

A inglesa Tess Stimson apostou em “casos de família que acabam em tragédia” para criar Ex/Mulher, um thriller psicológico que tem tudo a ver com vingança. Ex-jornalista e repórter na Inglaterra, Stimson é autora de doze romances, tendo seus livros traduzidos para vários idiomas. Ex/Mulher chega ao Brasil em julho pela Editora Trama, e traz na história duas mulheres unidas pelo amor e ódio a um homem cujo destino está mais do que selado. Ele será assassinado em uma festa de família, e é daí que nasce o grande enigma da trama: quem liquidou o indivíduo?

 

Não se pode negar que a vingança é um motivo e tanto para assassinato, por isso, as suspeitas do crime recaem sobre as duas mulheres, já que elas são encontradas junto ao corpo do (ex) marido: a esposa atual, que descobre fatos desconhecidos e não se sabe como vai lidar com seus sentimentos, e a ex-mulher que, inconformada com o fim do casamento, amargou por um bom tempo um sentimento crescente de vingança.
Humilhação, ciúme e vergonha podem servir de desculpa para os piores atos de crueldade, não é mesmo?

 

Casos de vingança que entraram para a história não se limitam à ficção. Na vida real, há exemplos lembrados até hoje, como a morte de Euclides da Cunha Filho, o Quidinho. Filho do célebre autor de Os sertões, ele tentou vingar a morte do pai e foi baleado pelo cadete Dilermando de Assis. Euclides “pai” tentou matar o militar em 1909 porque este estava tendo um caso com sua esposa, Ana Emília. Dilermando, porém, matou o escritor
em legítima defesa dentro da própria casa. O trágico episódio ficou conhecido como A tragédia da Piedade. Dilermando escapou da vingança e acabou matando dois da mesma família, ficando marcado para sempre.

 

Voltando bem mais no tempo, um jovem Júlio César também legou para a história seu célebre caso de vingança. Em 75 a.C., quando ainda era apenas um aristocrata romano conhecendo o mundo, foi sequestrado por piratas no Mar Egeu. De mediato, um resgate de 20 talentos de prata foi exigido, provocando indignação no romano pois ele acreditava valer mais do que foi pedido. A ousadia!

 

Para espanto dos piratas, Júlio César renegociou seu próprio resgate e exigiu que fosse estabelecida a quantia em 50 talentos de prata, mais condizente com sua posição social. Assim que o resgate foi devidamente pago, o futuro líder militar prometeu que voltaria para crucificar seus raptores, provocando gargalhadas nos piratas céticos. No entanto, foi exatamente isso que aconteceu. Passados 38 dias da libertação, o vingativo romano foi à caça dos corsários sequestradores com uma pequena força naval, encontrando-os acampados em uma ilha. Todos foram capturados e, posteriormente, crucificados sem dó. Promessa é dívida, e dívida se paga com sangue.

 

Vingança sangrenta

Histórias de vingança podem ter origem na vida real e acabar nos livros e telas de cinema. Dizem que esse é o caso de Joaquín Murrieta, cavaleiro mexicano que teria inspirado o clássico personagem Zorro, justiceiro criado pelo escritor norte-americano Johnston McCulley em 1919.

 

Caçador de ouro nas colinas da Califórnia por volta de 1850, Murrieta entrou em conflito com garimpeiros norte-americanos que também exploravam a região e retaliavam cruelmente mexicanos e quaisquer forasteiros que estivessem competindo por riquezas. As brigas culminaram na morte de sua esposa, estuprada e assassinada na frente dele, e ainda no linchamento de seu irmão. Foi o suficiente para motivar o mais profundo e perverso sentimento de vingança em Murrieta.

 

Sedento por retaliação, ele formou um grupo de vigilantes justiceiros e matou, um a um, os assassinos de sua família. Virou um personagem tão popular na região que sua cabeça foi colocada a prêmio, sendo morto um tempo depois. A lenda de Murrieta, dizem, teria sido uma das inspirações para McCulley imaginar Zorro, cuja história foi parar nos cinemas com muito sucesso e, até hoje, rende novas versões cinematográficas, quadrinhos, videogames e outros produtos.

 

Ser acusado injustamente de um crime é outra razão para buscar não só justiça mas, em muitos casos, vingança. Em A oração dos miseráveis, trama de fantasia criada por Gareth Hanrahan e lançada em junho pela Editora Trama, três ladrões são perseguidos por um crime que não cometeram. E eles certamente não vão levar essa culpa para casa.

 

Nesta guerra mágica, os personagens vão contar com a ajuda de seres extraordinários entre magos, deuses e monstros, percorrendo um caminho que vai levar a descobertas inesperadas. O mote da vingança é a porta de entrada para que, juntos, os três amigos descubram um mundo bem mais sombrio do que imaginavam existir. A vingança faz ferver o sangue nas veias, faz perder os sentidos e nem sempre ela traz paz para o
coração…

 

Enterrar pessoas vivas, crucificar, abater inimigos um a um. A vingança tem vários modos de ser e se confunde com a própria natureza. Animais podem até sentir vontade de se vingar, mas não há dúvida de que são os humanos que ganham esse campeonato. Requer ódio, mas é preciso também de uma boa dose de planejamento, perversidade e paciência. A vingança é humana, demasiado humana. Afinal de contas, não tem quem goste mais de ver um inimigo sofrer do que o homem que toma a sua sopa fria, gelada,
até a última gota encorpada de satisfação.